Faltando vinte minutos para largada,
eu, Glaucio, Márcia e Lúcio chegávamos a Praia Grande para nos juntar as
centenas de corredores que participariam da prova que batizei como a mais
difícil das que participei. A XC42 Búzios mais pareceu um treino depois desta
prova.
Antes da largada ainda falei com o
Lindenberg e com Neném, meu treinador. Após o tradicional boa sorte seguimos
para o pórtico de largada no meio da areia. Eu tentava enxergar o percurso, mas
me faltou conhecimento do local para entender como seriam os primeiros
quilômetros. Porém uma coisa me chamou a atenção: as montanhas altas em todo o
em torno daquela região. Preferi me perder em outros pensamentos e deixar para
a corrida o desafio.
Com algum atraso a prova teve início e
o vasto trecho de areia ajudou a dispersar os corredores neste primeiro
momento. Eu e o Gláucio passamos bastante gente em decorrência do bom ritmo e
espaço. Ele sugeriu esta estratégia, pois haveria um gargalo depois dos
primeiros quilômetros. Tentei acompanhá-lo, mas o ritmo estava além do que eu
poderia manter. Rapidamente o perdi de vista e me concentrei no gargalo.
A primeira subida veio logo após
atravessarmos a estrada que leva para Arraial do Cabo. A subida foi um pouco
confusa, pois todos tiveram a mesma idéia e correram forte para fugir do tal
gargalo. Fiz o que pude, mas fiquei preso no "passa um" por uns dez
ou quinze minutos. Deu tempo até para a foto. Uma antiga escada feita com
pedras, ou o que sobrou dela, foi o que nos levou para a Prainha. A pequena
faixa de areia serviu para reaquecer o corpo, mas antes que fosse possível
ganhar velocidade entrei numa trilha em meio a um pelotão. Apesar da fila
indiana era um bom ritmo em meio a vegetação, até que chegamos as pedras.
Alguns saltos depois eu comecei a me incomodar com a lentidão e as opções do
pessoal a minha frente. Havia um percurso mais simples próximo do mar, que
aproveitei para passá-los. Fui seguido por outros dois corredores, fato que me
ajudou a manter o foco. Saímos das pedras e voltamos para a trilha que já ensaiava
uma subida, até que me deparei como uma escada escavada no barro. Subi por um,
dois, três, acho que quatro minutos. O coração já saia pela boca quando
chegamos ao final. Só pensava em respirar e precisei de alguns instantes para
ensaiar um trote. A trilha seguiu sinuosa, mas sem grandes aclives. A maior
parte do tempo dava para manter uma corrida leve. Quando avistei a clareira e o
pessoal a frente correndo com desenvoltura, cheguei a esboçar um sorriso. Mas
logo abaixo havia uma esquina e vi todo mundo subindo a rua.
A inclinação era digna do pior trecho
da subida ao Parque da Cidade. O desafio durou uns dez a quinze minutos. Tinha
gente subindo de costas para descansar a musculatura. Eu tentei, mas achei
pior. A descida era tão inclinada quanto a subida. O primeiro trecho da rua
havia sido castigado pelas chuvas, assim a atenção com buracos e pedras soltas
foi muito grande. De repente um desvio e estávamos em uma escadaria, descendo
correndo como crianças irresponsáveis. Lembrei dos tempos de moleque. A
escadaria terminava praticamente dentro da areia da praia e o pórtico da
transição, que marcava o meio da prova estava cercado por centenas de pessoas,
dentre eles participantes aguardando por sua vez, torcedores e curiosos.
Concordo plenamente que somos objetos de estudo, pois é algo insano este nível
de esforço.
Em meio a gritos de incentivo, copos
d'água e as garrafas de isotônico me dei conta de que o calor crescia
rapidamente e já beiravam dez da manhã. Todo mundo já procurava pelas sombras
do percurso. Saímos da areia e seguimos um bom tempo por uma rua pavimentada e
com o mar a nossa esquerda. Não me dei conta da transição do asfalto para a
estrada de chão e o início de mais uma ladeira.
A freqüência cardíaca atingia picos de
95% da máxima em alguns trechos e eu comecei a dosar as forças, pois estava
claro que enfrentaria mais um trecho de grande variação de altimetria. Só que
este era o menor dos desafios, pois eu estava por enfrentar o trecho mais
difícil para a mente.
Enquanto eu em meio a um pelotão
mantínhamos o lado esquerdo da rua, assistíamos outros corredores correndo no
sentido oposto. Durante algum tempo aquele fluxo trouxe ânimo, mas o tempo foi
passando, passando, passando e nada do retorno. Quando vi o Lindenberg
andando, perdi o pique. Por sorte havia um posto de hidratação logo em seguida.
Literalmente parei para derramar dois copos de água gelada na cabeça e consumir
o segundo Carb Up antes de retomar a corrida.
Segui pelo menos mais uns dois
quilômetros pela estrada de chão, feliz pelo sobe e desce ter diminuído. Meu
ritmo era um pouco melhor que uma corrida leve, com receio do que encontraria
na próxima curva.

Literalmente parei para derramar água
na cabeça, beber água e encher a garrafinha para enfrentar os últimos
quilômetros. Não havia culpa em parar de correr debaixo de um sol que há tempos
estava acima de trinta graus. O relógio marcava onze da manhã. Isso não é
horário para treinar, ou muito menos correr! Além disso, tive a companhia de
alguns corredores. A idéia de reunir forças física e mental para a última etapa
foi boa, pois os músculos não tinham mais energia. A missão agora era
simplesmente terminar a prova. O sobe e desce neste trecho final foi intenso,
mas não importava. Só queria olhar para baixo e ver as tendas e o pórtico de
chegada, mas “a vida é uma caixinha de surpresas” e enfrentamos uma nova subida
inclinada em meio a vegetação seca e com seus diferentes cactus. Do outro lado
ainda tinhamos mais algumas subidas e decidas ingremes. Eu já sentia dor no
dedão de ambos os pés quando descia as trilhas. Não há mais nada a dizer além
da linda vista da Praia Grande e as escadarias que levavam até a linha de
chegada. Os metros finais na areia eu fiz correndo, pois correr depois disso
tudo era mole. O problema foi o sobe e desce das montanhas.
Cheguei sorrindo. Vi o Lúcio (outro
flashinha), o Gláucio, a Vera e o Neném (o treinador) na linha de chegada com
alguns outros integrantes da assessoria. Depois de um breve papo com todos, eu
só queria... comer! Descansar é para os fracos rsrsrs. Que fome! Apenas após
algumas maçãs, bananas e um bocado do isotônico IronAge (esse eu não conhecia)
eu consegui ficar calmo o suficiente para um mergulho naquela paradisíaca praia
e depois tomar rumo para o hotel.
Tirando faltantes e desistentes foram
1064 aventureiros a concluir este percurso insano, nas categorias solo
(masculino ou feminino), ou duplas (masculinas, femininas ou mistas). Segundo a
organização fui o SEGUNDO colocado na categoria M6599 (muitas risadas), mas
depois de baixar a planilha de classificação da categoria M4044, descobri que
cheguei na posição de número 66 dentre os 105. No geral masculino fiquei na
posição 357 entre os 578 que largaram. Definitivamente foi a corrida de
aventura para registrar e contar para os netos!
Eu preciso confessar que havia me
tornado averso aos finais de semana na região dos lagos. Trânsito pesado e
pouca infraestrutura acabaram sobrepujando minha percepção sobre as belezas
naturais da região. Mas nada como um dia após o outro para nos reinventarmos.
Foi assim com Armação de Búzios e agora a história se repete em Arraial do
Cabo.
Doze anos se passaram desde a última
vez que eu havia visto a Prainha. Ainda da estrada, que nos presenteia com uma
panorâmica da paradisíaca enseada, as lembranças começaram a brotar. Outro
tempo, outros amigos e outros hábitos. Realmente a corrida vem sendo um agente
transformador, pois voltei a viajar e desta vez com minha família. Olhar para
um mar tão azul é realmente uma bênção nos dias de hoje, de mares e rios tão
detonados pelo desleixo dos homens, sejam eles ricos ou pobres. Mas dizem que o
tempo é o melhor remédio e eu espero estar vivo para ver esta conta com a
natureza ser saldada.
Contrariando a indicação, fiz uso da bermuda de compressão e das polainas na prova. Poderia dar errado, mas tanta gente fala dos benefícios que comprei os acessórios no estande em anexo ao local de retirada do kit. Não me arrependi, pois a sensação de fatiga das pernas ficou abaixo do esperado. Além disso, por duas vezes senti uma leve puxada na panturilha direita, mas acertando o ritmo foi o suficiente para o trabalho com as polainas segurarem o estresse do esforço.

O jantar no Meu Xodó na véspera da
prova tinha o que precisávamos: massa, carnes e o buffet liberado. Comida
simples, mas muito gostosa.
O hotel iniciara o café da manhã às
seis e meia para atender seus hóspedes, ou melhor corredores, maioria esmagadora
no hotel no último final de semana. Dentre os rostos conhecidos estavam o
Waldemar, a Márcia e o Lúcio. Se tivéssemos combinado, não sairia tão perfeito.
A organização está de parabéns, pois o
evento foi realmente muito bem organizado.
Show amigo, um prazer enorme ter estado contigo! Abraços.
ResponderExcluirSatisfação foi minha conhecer um mundo que está um pouco mais a frente. Parabéns pelos resultados "flashinha".
ExcluirEste evento foi realmente incrível. Muito sofrido, mas valeu muita a pena ter participado. Parabéns pelo excelente relato.
ResponderExcluirAbraços.
Verdade. A experiência de uma vida! Testar nossos limites reforçam nossas crenças. Legal isso :-)
ExcluirBoas passadas, Victor.
E até a próxima corrida.
Ufa!!!!!! Que aventura! Você relatou tão bem o que sentiu que eu consegui sentir o cansaço rsrsrs... Parabéns por mais uma etapa cumprida! Abraço, Sarita.
ResponderExcluirOi, Sarita.
ExcluirAcho que é a prática. O tempo nos ajuda a escrever melhor e acho muito legal ter este tipo de retorno.
Obrigado pela presença.
Boas passadas!
André,
ResponderExcluirParabéns pelo grande desafio! O relato também está excelente! Já está ficando experiente nessas provas de montanha, hein?!
Quando puder correr essas provas, vou te contactar para pegar umas dicas...
grande abraço,
Sergio
Pois é! Búzios fez tcham! E esta já foi para o tcham tcham tcham tcham sem rodeios! Dúvido correr algo tão brabo quanto Arraial do Cabo... mas sabe como é, né? " A vida... é uma caixinha de surpresas" rsrsrs
ExcluirSerá uma honra ter você em mais esta empreitada, meu amigo.
Próxima etapa deverá ser a X-Terra Teresópolis.
Abraços.
Putz, André! Só posso te dar os parabéns!
ResponderExcluirAcho que meus batimentos cardíacos até aceleraram ao ler seu relato!
Isso é só para os muito fortes! rs
Oi, Renata.
ExcluirAchei esta semana uma frase que simboliza bem esta corrida: "A cabeça é que vai te levar sempre" Carol Barcellos
Abs