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K21 Arraial do Cabo: no limite!


Faltando vinte minutos para largada, eu, Glaucio, Márcia e Lúcio chegávamos a Praia Grande para nos juntar as centenas de corredores que participariam da prova que batizei como a mais difícil das que participei. A XC42 Búzios mais pareceu um treino depois desta prova.
Antes da largada ainda falei com o Lindenberg e com Neném, meu treinador. Após o tradicional boa sorte seguimos para o pórtico de largada no meio da areia. Eu tentava enxergar o percurso, mas me faltou conhecimento do local para entender como seriam os primeiros quilômetros. Porém uma coisa me chamou a atenção: as montanhas altas em todo o em torno daquela região. Preferi me perder em outros pensamentos e deixar para a corrida o desafio.
Com algum atraso a prova teve início e o vasto trecho de areia ajudou a dispersar os corredores neste primeiro momento. Eu e o Gláucio passamos bastante gente em decorrência do bom ritmo e espaço. Ele sugeriu esta estratégia, pois haveria um gargalo depois dos primeiros quilômetros. Tentei acompanhá-lo, mas o ritmo estava além do que eu poderia manter. Rapidamente o perdi de vista e me concentrei no gargalo.
A primeira subida veio logo após atravessarmos a estrada que leva para Arraial do Cabo. A subida foi um pouco confusa, pois todos tiveram a mesma idéia e correram forte para fugir do tal gargalo. Fiz o que pude, mas fiquei preso no "passa um" por uns dez ou quinze minutos. Deu tempo até para a foto. Uma antiga escada feita com pedras, ou o que sobrou dela, foi o que nos levou para a Prainha. A pequena faixa de areia serviu para reaquecer o corpo, mas antes que fosse possível ganhar velocidade entrei numa trilha em meio a um pelotão. Apesar da fila indiana era um bom ritmo em meio a vegetação, até que chegamos as pedras. Alguns saltos depois eu comecei a me incomodar com a lentidão e as opções do pessoal a minha frente. Havia um percurso mais simples próximo do mar, que aproveitei para passá-los. Fui seguido por outros dois corredores, fato que me ajudou a manter o foco. Saímos das pedras e voltamos para a trilha que já ensaiava uma subida, até que me deparei como uma escada escavada no barro. Subi por um, dois, três, acho que quatro minutos. O coração já saia pela boca quando chegamos ao final. Só pensava em respirar e precisei de alguns instantes para ensaiar um trote. A trilha seguiu sinuosa, mas sem grandes aclives. A maior parte do tempo dava para manter uma corrida leve. Quando avistei a clareira e o pessoal a frente correndo com desenvoltura, cheguei a esboçar um sorriso. Mas logo abaixo havia uma esquina e vi todo mundo subindo a rua.
A inclinação era digna do pior trecho da subida ao Parque da Cidade. O desafio durou uns dez a quinze minutos. Tinha gente subindo de costas para descansar a musculatura. Eu tentei, mas achei pior. A descida era tão inclinada quanto a subida. O primeiro trecho da rua havia sido castigado pelas chuvas, assim a atenção com buracos e pedras soltas foi muito grande. De repente um desvio e estávamos em uma escadaria, descendo correndo como crianças irresponsáveis. Lembrei dos tempos de moleque. A escadaria terminava praticamente dentro da areia da praia e o pórtico da transição, que marcava o meio da prova estava cercado por centenas de pessoas, dentre eles participantes aguardando por sua vez, torcedores e curiosos. Concordo plenamente que somos objetos de estudo, pois é algo insano este nível de esforço.
Em meio a gritos de incentivo, copos d'água e as garrafas de isotônico me dei conta de que o calor crescia rapidamente e já beiravam dez da manhã. Todo mundo já procurava pelas sombras do percurso. Saímos da areia e seguimos um bom tempo por uma rua pavimentada e com o mar a nossa esquerda. Não me dei conta da transição do asfalto para a estrada de chão e o início de mais uma ladeira.
A freqüência cardíaca atingia picos de 95% da máxima em alguns trechos e eu comecei a dosar as forças, pois estava claro que enfrentaria mais um trecho de grande variação de altimetria. Só que este era o menor dos desafios, pois eu estava por enfrentar o trecho mais difícil para a mente.
Enquanto eu em meio a um pelotão mantínhamos o lado esquerdo da rua, assistíamos outros corredores correndo no sentido oposto. Durante algum tempo aquele fluxo trouxe ânimo, mas o tempo foi passando, passando, passando e nada do retorno. Quando vi o Lindenberg andando, perdi o pique. Por sorte havia um posto de hidratação logo em seguida. Literalmente parei para derramar dois copos de água gelada na cabeça e consumir o segundo Carb Up antes de retomar a corrida.
Segui pelo menos mais uns dois quilômetros pela estrada de chão, feliz pelo sobe e desce ter diminuído. Meu ritmo era um pouco melhor que uma corrida leve, com receio do que encontraria na próxima curva.
A via de mão dupla parecia ter chegado ao fim, pois as pessoas saiam de um morro. O retorno estava próximo,  pensei contente. A alegria deu lugar a dedicação para subir um trecho de uns trinta metros de trilha fechada em meio a cactus e plantas secas. A vista era maravilhosa e a brisa gelada um presente para o esforço que acabara de fazer. Apesar do cansaço, vez outra ainda ultrapassava alguém. Quando desci o morro e retornei para pista de mão dupla, agora no sentido de volta, tentei me animar animando quem ainda enfrentaria o trecho de ida. Bati palmas e gritei para algumas pessoas. Passei pela Márcia tentando sorrir por tê-la visto empenhada. Sofri ao ver um corredor acima do peso procurando pelo retorno que não viria pelos próximos dois quilômetros. Eram um misto sentimentos que carreguei até o último posto de hidratação da prova.
Literalmente parei para derramar água na cabeça, beber água e encher a garrafinha para enfrentar os últimos quilômetros. Não havia culpa em parar de correr debaixo de um sol que há tempos estava acima de trinta graus. O relógio marcava onze da manhã. Isso não é horário para treinar, ou muito menos correr! Além disso, tive a companhia de alguns corredores. A idéia de reunir forças física e mental para a última etapa foi boa, pois os músculos não tinham mais energia. A missão agora era simplesmente terminar a prova. O sobe e desce neste trecho final foi intenso, mas não importava. Só queria olhar para baixo e ver as tendas e o pórtico de chegada, mas “a vida é uma caixinha de surpresas” e enfrentamos uma nova subida inclinada em meio a vegetação seca e com seus diferentes cactus. Do outro lado ainda tinhamos mais algumas subidas e decidas ingremes. Eu já sentia dor no dedão de ambos os pés quando descia as trilhas. Não há mais nada a dizer além da linda vista da Praia Grande e as escadarias que levavam até a linha de chegada. Os metros finais na areia eu fiz correndo, pois correr depois disso tudo era mole. O problema foi o sobe e desce das montanhas.
Cheguei sorrindo. Vi o Lúcio (outro flashinha), o Gláucio, a Vera e o Neném (o treinador) na linha de chegada com alguns outros integrantes da assessoria. Depois de um breve papo com todos, eu só queria... comer! Descansar é para os fracos rsrsrs. Que fome! Apenas após algumas maçãs, bananas e um bocado do isotônico IronAge (esse eu não conhecia) eu consegui ficar calmo o suficiente para um mergulho naquela paradisíaca praia e depois tomar rumo para o hotel.
Tirando faltantes e desistentes foram 1064 aventureiros a concluir este percurso insano, nas categorias solo (masculino ou feminino), ou duplas (masculinas, femininas ou mistas). Segundo a organização fui o SEGUNDO colocado na categoria M6599 (muitas risadas), mas depois de baixar a planilha de classificação da categoria M4044, descobri que cheguei na posição de número 66 dentre os 105. No geral masculino fiquei na posição 357 entre os 578 que largaram. Definitivamente foi a corrida de aventura para registrar e contar para os netos!
NOTAS FINAIS
Eu preciso confessar que havia me tornado averso aos finais de semana na região dos lagos. Trânsito pesado e pouca infraestrutura acabaram sobrepujando minha percepção sobre as belezas naturais da região. Mas nada como um dia após o outro para nos reinventarmos. Foi assim com Armação de Búzios e agora a história se repete em Arraial do Cabo.
Doze anos se passaram desde a última vez que eu havia visto a Prainha. Ainda da estrada, que nos presenteia com uma panorâmica da paradisíaca enseada, as lembranças começaram a brotar. Outro tempo, outros amigos e outros hábitos. Realmente a corrida vem sendo um agente transformador, pois voltei a viajar e desta vez com minha família. Olhar para um mar tão azul é realmente uma bênção nos dias de hoje, de mares e rios tão detonados pelo desleixo dos homens, sejam eles ricos ou pobres. Mas dizem que o tempo é o melhor remédio e eu espero estar vivo para ver esta conta com a natureza ser saldada.
Contrariando a indicação, fiz uso da bermuda de compressão e das polainas na prova. Poderia dar errado, mas tanta gente fala dos benefícios que comprei os acessórios no estande em anexo ao local de retirada do kit. Não me arrependi, pois a sensação de fatiga das pernas ficou abaixo do esperado. Além disso, por duas vezes senti uma leve puxada na panturilha direita, mas acertando o ritmo foi o suficiente para o trabalho com as polainas segurarem o estresse do esforço.
O jantar no Meu Xodó na véspera da prova tinha o que precisávamos: massa, carnes e o buffet liberado. Comida simples, mas muito gostosa.
O hotel iniciara o café da manhã às seis e meia para atender seus hóspedes, ou melhor corredores, maioria esmagadora no hotel no último final de semana. Dentre os rostos conhecidos estavam o Waldemar, a Márcia e o Lúcio. Se tivéssemos combinado, não sairia tão perfeito.
A organização está de parabéns, pois o evento foi realmente muito bem organizado.

Comentários

  1. Show amigo, um prazer enorme ter estado contigo! Abraços.

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    1. Satisfação foi minha conhecer um mundo que está um pouco mais a frente. Parabéns pelos resultados "flashinha".

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  2. Este evento foi realmente incrível. Muito sofrido, mas valeu muita a pena ter participado. Parabéns pelo excelente relato.

    Abraços.

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    1. Verdade. A experiência de uma vida! Testar nossos limites reforçam nossas crenças. Legal isso :-)
      Boas passadas, Victor.
      E até a próxima corrida.

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  3. Ufa!!!!!! Que aventura! Você relatou tão bem o que sentiu que eu consegui sentir o cansaço rsrsrs... Parabéns por mais uma etapa cumprida! Abraço, Sarita.

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    1. Oi, Sarita.
      Acho que é a prática. O tempo nos ajuda a escrever melhor e acho muito legal ter este tipo de retorno.
      Obrigado pela presença.
      Boas passadas!

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  4. André,
    Parabéns pelo grande desafio! O relato também está excelente! Já está ficando experiente nessas provas de montanha, hein?!
    Quando puder correr essas provas, vou te contactar para pegar umas dicas...
    grande abraço,
    Sergio

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    1. Pois é! Búzios fez tcham! E esta já foi para o tcham tcham tcham tcham sem rodeios! Dúvido correr algo tão brabo quanto Arraial do Cabo... mas sabe como é, né? " A vida... é uma caixinha de surpresas" rsrsrs
      Será uma honra ter você em mais esta empreitada, meu amigo.
      Próxima etapa deverá ser a X-Terra Teresópolis.
      Abraços.

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  5. Putz, André! Só posso te dar os parabéns!
    Acho que meus batimentos cardíacos até aceleraram ao ler seu relato!
    Isso é só para os muito fortes! rs

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    1. Oi, Renata.
      Achei esta semana uma frase que simboliza bem esta corrida: "A cabeça é que vai te levar sempre" Carol Barcellos
      Abs

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